PRESENTE DE SORTE

Meu neto Rodrigo, de 6 anos, irrompeu pela porta da sala chamando: "Vó, vem ver o presente que eu trouxe pra você". Me entregou um minúsculo vasinho cheio de terra e sementinhas embrulhadas. Li no rótulo, trevo de 4 folhas. Isso aconteceu em janeiro de 2006, quando ele chegou com o meu filho e a irmãzinha em viagem de férias. Mal dando tempo para os cumprimentos me puxou pela mão em direção à área de serviço. "Vamos plantar as sementes..." Cuidadosamente ele espalhou-as, apertando-as dentro da terra com os dedinhos, sempre me ensinando: "Faz assim, vovó". Regou-as durante 15 dias e antes de ir embora pôde apreciar os delicados raminhos que já brotavam. "Em julho eu volto, enquanto isso você toma conta". Os trevos foram brotando em profusão, o vasinho ficou tão bonito que eu decidi coloca-lo no centro da sala .
Em novembro, recebi a visita de uma amiga. O vaso chamou-lhe a atenção e aproximou-se dele. Orgulhosamente eu comentei : "Ganhei do meu neto Rodrigo, que belo presente, são trevos de 4 folhas". Os trevos sem se fazerem rogados, espalhavam-se soberanamente sôbre a mesa. Sem que eu tivesse tempo para impedi-la, enfiou a mão entre os ramos, recolheu alguns trevos na palma, abaixou-se para examiná-los mais de perto. Os trevos imediatamente se fecharam. Não contente, ela usou os dedos da outra mão para separar as folhas. Até que um trevo cedeu. Então virou-se para mim e disse com jeito mordaz: "Ah, são trevos de 2 folhas ".
Depois daquele dia os trevos talvez indignados ou machucados pelo toque perverso, não mais brotaram e todos secaram.
Em janeiro deste ano, o Rodrigo chegou e logo perguntou: "Vovó, cadê a minha planta ?"
Inadvertidamente, respondi: "Morreu."
O menino abriu os olhos espantado, deu sinal de desentendimento, abriu os braços e contestou: "Morreu, como assim, morreu?" e sua voz soou magoada. O pai que ouvira tudo logo veio em nosso socorro, percebeu a minha aflição ao procurar uma explicação conveniente e tentou diminuir a decepção do menino oferecendo : "Filho, vamos comprar outra". Rodrigo nos olhou calado. Com ar pensativo saiu em direção à área de serviço. Logo voltou sorridente, exclamando: "Pronto, já resolvi". Eu e o pai fomos procurar a sua "fórmula mágica". Simplesmente, ele retirara uma folhinha da planta do vaso grande, a enfiara na terra do vasinho, deixando a natureza agir. Dois meses depois eu telefonei para ele:

"Rodrigo, tenho duas coisas para contar, a primeira é que a folhinha já virou planta no vasinho, a segunda é uma novidade, lembra do seu trevinho, ele renasceu no canto do vaso grande, bati uma foto e coloquei no msn para você ver."
Na terça-feira passada havia finalizado a minha narrativa mas decidi retomá-la para contar sobre o incidente ocorrido, ocasionado pela minha funcionária. Ao fazer limpeza, esbarrou fortemente no aparador que sustinha o vaso grande, ele despencou e espatifou no chão. Me lembrei do trevo do Rodrigo e como ele me ensinara a "dar a volta por cima". Examinando o estrago, entre terra espalhada e plantas partidas, encontrei o que procurava! Dentro de um dos cacos do vaso, lá estava ainda fincado em pouca terra, o trêmulo trevinho, com as hastes machucadas e retorcidas, bem fechadinho, apoiado num galho que aparentemente lhe sustentara a queda. Eu o replantei.
Finalmente hoje o trevo reabriu !
Dou por concluída a minha narrativa sobre a jornada heróica dessa plantinha que retratei para servir de lembrança para o meu neto. Essa planta delicada que realça o valor da persistência, encontra meios para subsistir, enfrenta o desafio da gravidade e vence "ventos e tempestades". Admiro o Rodrigo por ter usado sua ingênua sabedoria ao me presentear com este raro Trevo de quatro folhas, símbolo de sorte e mais do que tudo, do poder do Renascimento.

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